Congelamento de óvulos como benefício corporativo: um cuidado ou uma nova forma de pressão?

Nos últimos anos, temos observado um crescente número de empresas que passaram a oferecer o congelamento de óvulos como um benefício para suas colaboradoras. Essa oferta vem embalada de mensagens por trás, por isso precisamos fazer uma pausa, respirar fundo e perguntar com coragem: será que estamos mesmo diante de um cuidado? Ou estamos, mais uma vez, sofisticando formas de controle sobre o corpo e o tempo das mulheres?

Congelar não é garantia.

Como médica ginecologista e especialista em medicina fetal, acompanho mulheres em momentos cruciais de suas vidas — decisões sobre fertilidade, planejamento familiar, gestação de alto risco, partos humanizados. E se tem algo que aprendi, é que a maternidade — ou a decisão de não maternar — é atravessada por inúmeros fatores: sociais, culturais, afetivos e emocionais.

O congelamento de óvulos é, sim, um avanço da medicina reprodutiva. Pode ser um grande aliado em casos clínicos específicos, como tratamentos oncológicos, doenças autoimunes ou histórico de menopausa precoce. Mas não é isento de riscos. Não é garantia de gravidez futura. E definitivamente não deve ser tratado como solução única para mulheres que desejam trabalhar agora e serem mães depois.

Oferecê-lo como uma estratégia para adiar o tempo da vida é, no mínimo, uma simplificação de um assunto que é tudo, menos simples.

O que está sendo comunicado, mesmo que não seja dito?

Quando uma empresa oferece o congelamento de óvulos sem, ao mesmo tempo, promover uma cultura de acolhimento à parentalidade, ou criar jornadas mais flexíveis, ela está enviando uma mensagem implícita:

“Queremos sua potência produtiva agora. Seu desejo de ser mãe pode esperar.”

Esse tipo de benefício pode se tornar uma nova forma de coerção silenciosa. Uma mulher que não deseja congelar seus óvulos pode começar a se sentir menos comprometida. Uma que deseja engravidar no presente pode se perceber como “fora do timing” esperado.

E isso é grave. Porque não estamos falando só de política de RH. Estamos falando da autonomia, da dignidade e da saúde emocional de quem já enfrenta, diariamente, cobranças contraditórias: seja excelente profissional, mas não pare. Seja mãe, mas não falhe. Cuide-se, mas não se ausente.

Para as mulheres: mais informação, menos idealização

É comum ver o congelamento de óvulos sendo apresentado como uma solução mágica. Mas a verdade precisa ser dita, com acolhimento e seriedade:

  • O procedimento envolve injeções hormonais, riscos clínicos e altos custos.
  • A taxa de sucesso na fertilização varia muito com a idade e o estado de saúde dos óvulos.
  • Não há garantias. Congelar não significa que a gravidez futura acontecerá.

Além disso, há impactos emocionais que raramente são debatidos: a angústia da espera, a idealização do “futuro ideal”, o luto de quem planejou e não conseguiu. Congelar óvulos é uma decisão médica, mas também existencial. Precisa ser feita com informação, tempo, escuta e consciência.

Empresas que cuidam de verdade acolhem a vida como ela é.

Acredito profundamente que podemos construir ambientes de trabalho mais humanos. Que promovam o cuidado com base em escuta ativa, equidade e liberdade real de escolhas. RHs, lideranças e conselhos precisam se perguntar:

  • Estamos oferecendo suporte integral à parentalidade?
  • Estamos preparados para acolher mães e pais com jornadas mais justas?
  • Estamos contribuindo para que mulheres não precisem escolher entre carreira e filhos?

Congelar óvulos pode ser um recurso. Mas não pode ser apresentado como “o” caminho. Porque quando só há um caminho, não há escolha — há imposição.

Cuidado é plural. Cuidado é presença.

Na Rewire Life, acreditamos que cuidado não se resume a tecnologias ou políticas isoladas. Ele nasce da escuta, da consciência e da possibilidade real de viver todas as fases da vida com dignidade. Planejar um futuro não deve significar negar o presente. E mulheres não devem precisar abrir mão de seus desejos mais profundos para caberem em modelos corporativos desatualizados.

Se a sua empresa oferece congelamento de óvulos como um benefício, ótimo. Mas pergunte-se: ela também promove ambientes onde mães não são penalizadas? Onde o tempo da vida é respeitado? Cuidar é integrar, não fragmentar.

Gostou deste texto? Compartilhe e ajude outras pessoas.

Facebook
LinkedIn
WhatsApp
Twitter
Telegram
Email